Por Jô Souza
O sertão vai virar mar... e o mar vai virar sertão!
Em termos literais, esta profecia glauberiana de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”indica uma transmutação geológica. Improvável em termos absolutos, ainda que tornada agora um pouco mais plausível pelo aquecimento global. Na verdade, a frase exprime mundos em movimento, num processo de mútuo de intercâmbio: o interior se dirige para o litoral e vice-versa. Feira de Santana se encontra com Salvador e Porto Seguro. Nosso projeto navega nessas ondas que carregam as águas de Oxum e Iemanjá para fertilizar a catinga.
O baiano do litoral tem um espírito dionisíaco, adora festejar, dançar e se esparramar pela areia, como a espuma da praia. Mas também, quando menos se espera, manda o pé na cara de um safado. Quando não ginga de lado e saca a peixeira que, segundo Adoniran Barbosa, mata tanto quanto o olhar da namorada, ou uma espada de Iansã.
Esse arquétipo feminino do baiano atlântico está formatado nas obras de Jorge Amado e nas canções de Dorival Caymmi. Nos versos do navio negreiro, na antropologia de Antonio Risério, na poesia de Wally Salomão e Gregório de Matos. Nas imagens iconoclastas do cinema novo de Glauber Rocha. Nas mulheres guerreiras como Catarina Paraguaçu, Joana Angélica, Ana Neri, Menininha do Gantois e irmã Dulce.
A própria identificação cultural desse povo se faz de modo visual e instantâneo, por meio do vestuário − o baiano é o único tipo de brasileiro que veste branco maciçamente em dia de sexta-feira. Mesmo sem contas de Oxalá no pescoço, a cada semana, todo cidadão de Salvador sublinha ritualmente a presença dos orixás africanos. Esses trouxeram proteção, gênio e prosperidade para músicos, dançarinos, atores, fotógrafos e artistas plásticos. No entanto, acaba de chegar a hora da moda baiana também entrar na roda para sambar.
Neste momento, a criação brota no recôncavo e na catinga, locais riquíssimos em estilemas de outras naturezas. O sertanejo simboliza um universo à cavalo, apolíneo e masculino, dominado por vaqueiros, jagunços, agricultores e cangaceiros. Substituindo os pretos velhos, a sabedoria popular vem dos caboclos, suas ervas e ladainhas. Em lugar dos atabaques e berimbáus , escuta-se a viola de cocho e a sanfona. As mulheres se ocultam sob o negro dos véus que restaram do oriente medieval, enquanto os machos envergam armaduras de couro curtido e decorado com motivos barrocos. O samba emudece para se ouvir o chachado, o maracatu e o forró − palavra que exprime uma atávica globalização nordestina que orienta o nosso projeto em seu multiculturalismo explícito: trata-se da grafia local para a expressão inglesa for all, ou seja, “para todos”.
MOSAICO CHAMADO MODA BAHIA
Quando se fala no negro na Bahia é preciso lembrar de Rui Barbosa, Edison Carneiro e Roger Bastide. É preciso recorrer ao geógrafo Milton Santos, ao ator Antônio Pitanga. Nunca ao que produtos equivocados de diluição e engodo cultural transmitem. Esse é o caso de filmes como Opaíó, em que temos uma Bahia filtrada pelos figurinistas da Globo, caricatural e plastificada: uma hipérbole circense da vida real.equivalente ao que se faz em produtos como Casseta e Planeta e Zorra Total.
Quando se fala no negro na Bahia é preciso lembrar de Rui Barbosa, Edison Carneiro e Roger Bastide. É preciso recorrer ao geógrafo Milton Santos, ao ator Antônio Pitanga. Nunca ao que produtos equivocados de diluição e engodo cultural transmitem. Esse é o caso de filmes como Opaíó, em que temos uma Bahia filtrada pelos figurinistas da Globo, caricatural e plastificada: uma hipérbole circense da vida real.equivalente ao que se faz em produtos como Casseta e Planeta e Zorra Total.
A visão do baiano na TV é puro clichê: abusa de estereótipos, do linguajar decalcado numa ampliação de exageros. Quando o povo baiano aparece nas mídias televisivas, é sempre apresentado como um habitante de periferia, marginalizado, “carnavalizado”. A grande mídia trabalha com a tipificação e, assim, cai numa visão reducionista. Pois a Bahia é, na verdade, várias “Bahias” -- do litoral, à Chapada, do recôncavo, ao sertão. Ao mesmo tempo em que este povo se apresenta aberto e expansivo ele é retraído. Talvez por causa do isolamento imposto por cem anos do restante do País, desde quando a capital do Brasil foi transferida para o Rio de Janeiro no século XVIII.
Mas, onde se encontra a identidade da moda baiana? Será que ela existe no mundo real? Como será resistir a uma homogeneização provocada pelo mercado e pela mídia? O clima quente, a beira do mar e a presença africana levam a mulher a exibir seu corpo ou parte dele. Uma mistura de gabrielas com yemanjás, ou uma baiana brejeira do sertão, que abusa das cores e das formas justas modeladas no corpo.
Vestidos curtos, sapatos altos e sempre um baton na bolsa. A roupa é casual, com cara de praia e tecidos fluidos, leves, de alça, para arrastar sandália. Já o homem baiano, apesar de ter incorporado a elegância de Vadinho do Jorge Amado, mostra pouca ousadia no vestir. O baiano acompanha a moda da TV e as jogadas de marketing dos cantores do axé. Recorrendo a uma assessoria de visual, a cantora Ivete Sangalo é modelo para uma legião de fãs que imitam desde seu corte de cabelo até sua maneira de vestir.
Mas, afinal o que é moda baiana? Tem a ver com um jeito de fazer moulage no corpo (lenços na cabeça, na cintura). As armações oriundas de outras terras, na Bahia ganham um jeito próprio e peculiar de aliar ancestralidade e com a contemporaneidade. Apesar de seu baixo poder aquisitivo, o baiano gosta de comprar e acompanhar as tendências da moda.
Não tem vergonha de ser brejeiro, exagerado nos penduricalhos, figas, patuás, além das imagens de santo. Barroco no seu estilo, ele mescla no seu look peças de artesanato (renda, bordado, crochê, ponto de cruz) com fios sintéticos.
"Ah! Mas que saudade eu tenho da Bahia Ah! Se eu escutasse o que mamãe dizia Bem, não vá deixar a sua mãe aflita A gente faz o que o coração dita Mas esse mundo é feito de maldade, ilusão
Ah! Se eu escutasse eu hoje não sofria Ah! Essa saudade dentro do meu peito Ah! Se ter saudade é ter algum defeito Eu pelo menos mereço o direito De ter alguém com quem eu possa me confessar
Ponha-se no meu lugar E veja como sofre um homem infeliz E teve que desabafar
Dizendo a todo mundo o que ninguém diz Veja que situação E veja como sofre um pobre coração Pobre de quem acredita Na glória e no dinheiro para ser feliz Ô, Bahia Bahia cidade de São Salvador " Dorival Caymme
DESCEU A BAIANA • O estilista Junya Watanabe criou Carmens Mirandas fashion para seu verão 2009 na Semana de Moda de Paris. Além dele, Rei Kawakubo, da Comme dês Garçons, fez referências ao Brasil na passarela, colocando música de terreiro, samba e construindo seus looks em cima de um dos nossos símbolos, a bola de futebol.
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um abraço,
jo